sábado, 15 de fevereiro de 2014

hiato II

sinto como se eu não fosse nada e, portanto, pudesse ser tudo. três circunstâncias convergem: completar 30 anos; completar 10 anos na carreira de editor; ter duas semanas desocupado antes de dar início à carreira de cozinheiro - como estagiário. dez anos atrás eu era estagiário, também. é impossível não repassar tudo o que aconteceu durante esse tempo. não repassar progressivamente, mas de um salto, mesmo. eu poderia ter sido qualquer coisa - e, ao mesmo tempo, não. nestas duas semanas em que não sou nada, tive saudades dos primeiros anos de faculdade. saudade de "filmes de festival", saudade de "ler os clássicos", saudade de um componente intelectual que eu abandonei, ou que morreu, ou que eu achava que estava morto. nestas duas semanas em que não sou nada sinto como que se pudesse resgatá-lo: pelo simples fato de algo completar dez anos (todo dia qualquer coisa completa dez anos, afinal), por esse simples fato tenho a impressão de que abriu-se uma passagem no tempo e posso retomar aquilo que um dia fui. o que significa isso tudo, afinal? significa que em dez anos prosperei no caminho que segui; contudo, foi um caminho que me escolheu, mais do que eu o tenha escolhido. significa portanto que imagino o que poderia ter feito caso tivesse aberto meu caminho à força - coisa que estou fazendo agora, mas para uma terceira carreira. é impossível não acreditar que eu poderia, sim, ter me tornado escritor. mas, ao mesmo tempo, se não o fui, não o fui. não há nada que fuja ao seu destino, não no sentido de que as coisas já estão escritas, mas porque não há caminhos paralelos. se as circunstâncias não me tornaram escritor, é porque não o era. digo tudo isso sem mesmo saber o que escrever. digo tudo isso mesmo ciente do pouco que é dizer-se escritor. como pode, no hiato entre duas carreiras, eu me perder em sonhos sobre uma terceira?

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

hiato I

é curioso que num momento tão fundamental da minha vida haja espaço para a tristeza e a melancolia de uma forma quase impensável. foi há exatamente duas semanas que encontrei um pensamento (esperava) libertador - "talvez eu nunca mais seja tão feliz de novo" -, mas se de certa forma ele me ajudou a seguir em frente, não foi um seguir em frente desprovido de nostalgia. essa semana tão atípica como free-lancer, que já nasce com data para acabar, faz surgirem paralelos com tantos tempos que fica difícil saber em qual deles estou perdido. esses dias atípicos remetem à liberdade dos primeiros anos de faculdade, dos impulsos e das descobertas intelectuais, da frustração desses planos, da resignação diante do "mercado de trabalho", da desistência de um projeto acadêmico que não possui nada de semelhante ao esforço físico, à repetição e a aridez da vida dentro de uma cozinha. esses dias remetem também ao início do ano de 2011, quando a experiência de trabalhar de casa começava como uma coisa nova e perfeita, e, se em algum lugar seu fim já estava escrito, eu ainda não sabia, e pude aproveitar intensamente toda a liberdade e viver todo o ônus da falta de disciplina. é cansativo ser tão incansável, ter a capacidade nunca sofrer um retrocesso incontornável. para toda perda surge algum sentido, ainda que leve alguns anos. mas em paralelo há um vazio que se estende, que se repete, que fica ali flutuando como que em gravidade zero. há um vazio de querer reviver tempos impossíveis, de já saber da incapacidade de reconstruir esses tempos, de não entender bem o que fazer com essa tristeza, onde colocá-la - no bolso, numa estante, no fundo da gaveta. é algo tão familiar e tão assustadoramente desconhecido. a vida insiste em mostrar que há muito o que se descobrir, há muito o que recomeçar, mas que ainda assim talvez nunca se reviva com a mesma alegria, com a mesma intensidade, com o mesmo tudo, com o mesmo nada. há um milhão de brunos perdidos pela trajetória, este que escreve é o mais forte dos sobreviventes, e ainda assim é extremamente frágil.