sexta-feira, 21 de agosto de 2009

há problemas maiores

desfecho do dia dos pais: o presente foi, de fato, um exemplar de o filho eterno, que nem eu mesmo tinha terminado de ler. nos dias seguintes à data, enquanto continuava com o livro, eu pensava, não é o tipo de literatura que meu pai gosta. ano passado dei pra ele um romance policial, simenon, coisa boba. esse ano o importante não era agradar. era mostrar o meu gosto. era eu, falando, 'pai, senta aqui, quero te mostrar um livro que gosto muito...'

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

a pergunta...

... que bate como uma gigantesca pedra sobre a cabeça, ou talvez a pergunta que bate como o desejo de que uma gigantesca pedra caía sobre a cabeça:
'quem sabe se, durante todo esse tempo, a culpa foi sempre e somente minha?'

é o ponto de partida para a pior das reflexões.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

o dia dos pais

sua irmã havia lhe chamado a atenção no meio da semana para o presente do dia dos pais, avisando que daria uma camisa polo, e ele sentiu um mal-estar por ainda não ter pensado no assunto quatro dia antes da data, por não saber o que comprar, mas principalmente por perceber que, no fundo, não queria dar presente algum.
deixou o problema de lado até o dia seguinte, quando a crescente desorganização em seu apartamento o cutucou. lembrou-se que poucos meses atrás desejara dedicar-se tanto aos seus planos mais íntimos que não sobrasse tempo para lavar a louça ou pendurar em cabides a roupa saída do varal, tudo isso para que vivesse em meio a uma bagunça sincera, como aquela enaltecida por bukowski em seu 'o capitão saiu para o almoço'.
lembrou-se dos comentários da mãe sobre um dos primeiros apartamento em que o pai morou, naquele prédio que viria a conhecer quarenta anos depois, onde ficava o consultório do seu terapeuta, e teve medo de tornar-se igual a ele.
pensou por um momento em presenteá-lo com um livro, mas que livro?, era o seu presente-padrão, denotava mais uma vez a desimportância do gesto. livros, eram eles que tomavam seu tempo e provocavam o acúmulo de pratos sujos e camisas amassadas.
aumentou ainda mais o medo quando lembrou que agora estava só, mas estava bem. como imaginava que estaria o pai, do outro lado da cidade. compartilhavam essa prazerosa solidão, separados por três túneis e um elevado, pelo triste fato de que não sabiam conviver muito bem com ninguém, como não souberam conviver um com o outro.
voltou a pensar no presente-livro, e graças a ele encontrou um ponto de divergência. sua bagunça devia-se ao excesso de leituras, ao passo que seu pai não lia. o brusco fim do alívio: não lia mais. mas fora, também, um leitor ávido durante a maior parte da vida. de modo tal que até mesmo suas peculiaridades, como o costume de ler deitado de bruços no sofá, com o livro aberto no chão, foram imitadas por sua filha. aquela, que vai presenteá-lo com uma camisa polo.
viu-se então numa situação que muitos brindam com a frase 'as coisas não acontecem por acaso', para a qual seu ceticismo ainda não produziu equivalente. repousava sobre a cama 'o filho eterno', e decidiu que, se tiver de dar ao pai um livro, será este.
mas o que ele gostaria mesmo dar a seu pai é este texto.