segunda-feira, 25 de maio de 2009

café

depois de quase dois meses tomando espresso, tanto da cafeteira italiana de fogão quanto da elétrica (sim, eu tenho uma máquina de espresso, um dos presentes mais perfeitos que já recebi), comecei a sentir saudades do meu próprio café. água fervendo na panela, coador de papel, passar direto na caneca, devidamente escaldada. matei essa saudade durante o final de semana, e foi perfeito. pude ver que ainda estou em boa forma. é fácil fazer café usando dispositivos que indicam sem erro a quantidade de pó e de água. mas passar no coador exige técnica e um pouco mais paciência. em compensação, beber o café que eu mesmo preparei me traz uma tranquilidade incomparável. aquele tal de manuel bandeira tinha razão.

sábado, 16 de maio de 2009

minha liberdade e a parábola da pimenta de sichuan

manhã de sábado fria para os padrões cariocas. a temperatura deve estar em torno dos 20ºC, com sensação térmica abaixo disso por conta do vento, mas o suficiente para as pessoas tirarem os casacos dos armários e a cidade mudar de aspecto. além disso, o céu está cinza e fechado, uma constante ameaça de chuva. em suma, uma manhã em que o rio de janeiro parecia bastante com são paulo.
apesar da ausência de informações oficiais para embasar minha teoria, não tenho dúvida de que existe uma colônia oriental na região flamengo-laranjeiras. é composta em sua maioria por chineses e a artéria principal é o eixo rua cosme velho/rua das laranjeiras/rua marquês de abrantes. só de mercearias são três, mais do que consigo contar por todo o resto da cidade. e foi justamente a uma delas que me dirigi.
nos finais de semana, aquele último quarteirão da marquês de abrantes se assemelha bastante ao bairro da liberdade. falta ainda a feira, uma pena, mas o número de olhos puxados que cruzam meu caminho é enorme. é o lugar onde posso comprar uma latinha de chá de abóbora branca para beber enquanto ando pela calçada. onde vejo belos aspargos frescos, presos pela tradicional dupla de elásticos violeta. e um dos poucos lugares onde existem verduras que não consigo identificar. ou coisas que reconheço por analogia, mas que me surpreendem, como uma beringela de casca completamente branca.
saio de mãos vazias. não compro nada além do chá. quero apenas estar ali e aproveitar a minha liberdade.

falar das mercearias orientais me lembrou da minha história com a pimenta de sichuan. há cerca de dois anos ganhei um livro fascinante chamado "the food of china". entre as centenas de receitas, algumas pediam um ingrediente do qual eu nunca tinha ouvido falar: sichuan peppercorns, ou pimenta de sichuan. reproduzi essas receitas usando substitutos, mas permanecia a vontade de conhecer a tal pimenta. foi quando comecei a frequentar as mercearias. passava os olhos por todas as seções esperando encontrá-la. mas não era uma tarefa simples. o rótulo não estaria no mesmo inglês do livro, mas sim num chinês totalmente inacessível. é o momento, então, de fazer a pergunta: mas bruno, você não sabia como era essa pimenta?
- não.
eu tirava das prateleiras todos os vidros e pacotes suspeitos para olhar a descrição nas pequenas etiquetas (coladas sempre no verso) com a tradução em português. pimentas em pó, pimentas secas, tudo. (o termo inglês peppercorn deixava claro que se tratava de uma pimenta em grão, mas só fui considerar isso muito mais tarde.) eu buscava uma coisa sem ter a menor ideia do que era. é óbvio que não conseguia encontrar.
foi quando voltei ao livro. folheá-lo era um prazer, mesmo que não houvesse nenhuma intenção em reproduzir suas receitas. então eu a vi. nas fotos do preparo de uma das receitas que pedia pimenta de sichuan havia pontinhos avermelhados, claramente distintos dos pontos pretos da pimenta do reino. fiz buscas na internet para confirmar minha suposição e, finalmente, eu sabia a cara do que estava procurando.
na primeira visita que fiz à mercearia depois desse dia lá estavam elas, gritando por atenção, pegando minha cabeça para girar meu pescoço e me fazer notá-las. mas eu ainda precisava ser testado. tiro o pacote da prateleira e leio a etiqueta: "semente de coentro". mas eu conheço sementes de coentro muito bem, e não se parecem em nada com aquilo. seguro, falo com o dono da mercearia, que confirma e se desculpa pelo erro. termino minhas compras e volto para casa feliz da vida.
foi a pimenta de sichuan que me ajudou a entender: para encontrar qualquer coisa, você primeiro precisa saber o que está procurando. e quando você sabe como é essa coisa, nem os acidentes do dia a dia podem te desviar dela.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

cérebro

um dos filmes a que assisti mais vezes foi pi, do darren aronofsky. hoje à tarde lembrei dele e tive vontade de assistir mais uma vez. o maior clichê sobre filmes que repassamos é que, a cada sessão, descobrimos coisas novas. mas não repito isso de maneira leviana. mudamos nós, mudamos o que queremos encontrar, muda nossa percepção.
nunca tinha reparado que o protagonista, maximillian cohen, mora no bairro oriental de nova york, chinatown. isso fica claro nas primeiras sequências, com a menina de olhos puxados que brinca com a calculadora, os praticantes de tai chi chuan no parque e os letreiros das lojas. a partir desse momento, a história fez ainda mais sentido.
max é matemático e expõe logo de início que acredita na existência de um padrão cíclico regendo todo o universo e cada pequena coisa que está contida nele. nada mais próximo da filosofia oriental do que isso. e que me remeteu ao pequeno estudo que fiz do dao de jing ano passado.
durante todo o tempo de colégio fui uma negação em matemática. nada fazia sentido, consegui assimilar muito pouca coisa. logo eu, tão cartesiano, tão pouco sensível. não há dúvidas de que a inacessibilidade da matemática contribuiu para minha admiração ao filme.
enquanto os vizinhos chineses e afins são meros coadjuvantes, um outro grupo tem participação ativa: os judeus. lenny meyer, também matemático, mostra algumas curiosidades numéricas da torah a max, que vão ao encontro da tese que ele defendia. foi quando me vi num segundo ponto curioso: o apartamento para onde acabei de me mudar fica exatamente entre um tempo taoísta e um centro de estudos da cabala. de repente, tudo parecia muito familiar.
outro ponto do filme fez crescer essa identidade. max sofre constantemente de dor de cabeça, que em um de seus pontos críticos é ilustrada pelo personagem cutucando um cérebro com uma caneta, até perfurá-lo.
no entanto, a parte mais interessante do filme continua sendo a confrontação do antigo professor de max. ao ver o ex-aluno envolvido até o pescoço na busca de um padrão para o pi, o mercado de ações e as 216 letras do verdadeiro nome de deus, profere o que até pouco eu achava uma das melhores frases do filme: "as soon as you discard scientific rigor you are no longer a mathematician, you are a numerologist."
mas o que há de errado nisso? foda-se o padrão científico. a vida não nos dá duas chances. não podemos fazer grupo-teste e grupo-controle para os amores, as amizades, as palavras ditas, as decisões tomadas. resta-nos saber o que queremos. e manter isso em mente. sempre a visível. um dia a gente encontra.
urge viver.

terça-feira, 12 de maio de 2009

falta inspiração

queria uma palavra que resumisse tudo que senti nos últimos dias. que abarcasse da serenidade aos mais agressivos sinais de que as coisas não estão bem. como um nome de doença, que classifica e cura. se não há maturidade, que pelo menos haja inocência. ausência de ambas é covardia.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

baixa gastronomia, alta literatura

hoje um amigo me enviou o link de uma matéria do new york times sobre a relação entre gastronomia e literatura. o título da matéria era algo como "vá em frente. estrague meu apetite.", e tratava da relação positiva entre a baixa qualidade da descrição das refeições e a alta qualidade do texto. o autor defendia que, durante a leitura, normalmente acompanhada apenas por um café, não é agradável ver os personagens tendo prazer com comida. da mesma forma que não é agradável ver os personagens tendo prazer com sexo. (existe um prêmio para as piores descrições de sexo, o bad sex in fiction award. costuma ser arrebatado por grandes nomes, o que talvez reforce a tese defendida no artigo.)
confesso que nunca tinha pensado sobre o assunto. a questão nunca me incomodou. para ser sincero, li poucos textos citados na matéria. um deles, "um artista da fome", do kafka, é muito mais uma metáfora sobre o destino incontornável do qual falei dois posts atrás do que sobre comida, de fato.
minha biblioteca gastronômica compõe-se basicamente de livros de receita, dicionários, biografias de chefs e livros-reportagem. é, ainda, pobre de romances. "o clube dos anjos", do verissimo, fica abaixo das expectativas. e "gula", do anlgo-germânico john lanchester ("the debt to pleasure" no original), começa arrastado, não engrenei.
minhas impressões mais significativas sobre o assunto devem-se à leitura de nietzsche, quando ele faz um paralelo entre a dieta e o humor (em sentido amplo, não apenas cômico) do povo alemão. e, logo a seguir, às descrições da culinária chinesa em "a montanha da alma", de gao xingjian e "a boa terra", de pearl s. buck. ambos os livros renderam o prêmio nobel a seus autores. no primeiro, fica evidente a cultura do não-desperdício num país com uma população na casa do bilhão: uma cabeça de porco tem que ser aproveitada ao máximo, tratada como iguaria. no segundo, a riqueza do personagem principal deve-se unicamente à sua capacidade de tirar o máximo de alimento da terra.
por fim, não esqueço da descrição do cheiro das conservas de pepino em "a morte feliz", do camus. um livro chato, é bom deixar claro, mas com passagens marcantes.
quando falei de estômago, sempre tive em mente as mazelas mais do que os prazeres. acredito que é hora de buscar um equilíbrio.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

ikiru 生きる

em ikiru, de akira kurosawa, o protagonista poderia ser condenado à morte por qualquer doença? jamais. só o câncer de estômago, especificamente, condena e resume sua condição. só ele reflete as perdas, a dedicação ao emprego sem sentido, a distância do filho, o projeto de vida mal acabado.
não lembro exatamente quando a metáfora do estômago se fixou com tanta força no meu pensamento. talvez os mais de dez anos de visitas periódicas ao gastroenterologista expliquem alguma coisa. quando parei no hospital por conta de uma pneumonia, o médico analisava o raio-x dos pulmões. "você está em jejum? seu estômago está dilatado. você devia procurar um especialista."
não deixa de ser curioso que outro dos meus filmes preferidos trate da questão, e com muito mais requinte, pois consagra a metáfora estômago e cérebro. a frase que dá subtítulo ao blog é uma fala de travis bickle em taxi driver. os dois filmes retratam, resumidamente, homens solitários e sem esperança que depositam suas energias em causas muito simples, mas que os consagram como heróis ao final. alguns constroem parques, outros salvam meninas da prostituição.
ainda não descobri meu papel.

melancolia

quando comecei a escrever em um blog individual, a primeira imagem que usei para ilustrá-lo foi uma gravura de dürer chamada melencolia I. é fácil encontrá-la numa busca do google, mas para manter o ritmo vou resumi-la aqui: ela retrata um anjo rodeado de opções para agir mas que, contra todas as expectativas, permanece sentado, com o rosto apoiado no punho fechado e olhar perdido.
a felicidade é uma questão de escolha, mas nascer com o espírito do protagonista da imagem não. é preciso deixar claro que, mesmo diante de uma miríade de caminhos, é inevitável para alguns recostar-se e esperar o que estes trarão, em vez de percorrê-los.
é um problema de fatalidade. mesmo hamlet, o melancólico por excelência, busca reverter sua tristeza com a encenação de uma peça de teatro. mas não é capaz de reverter seu espírito, e todos sabem como a história termina.
apesar dos sinônimos consagrados, o destino trágico não é o destino ruim. é apenas o destino incontornável.

trilha sonora: orbital, the box, pt 1 e 2