quinta-feira, 6 de agosto de 2009

o dia dos pais

sua irmã havia lhe chamado a atenção no meio da semana para o presente do dia dos pais, avisando que daria uma camisa polo, e ele sentiu um mal-estar por ainda não ter pensado no assunto quatro dia antes da data, por não saber o que comprar, mas principalmente por perceber que, no fundo, não queria dar presente algum.
deixou o problema de lado até o dia seguinte, quando a crescente desorganização em seu apartamento o cutucou. lembrou-se que poucos meses atrás desejara dedicar-se tanto aos seus planos mais íntimos que não sobrasse tempo para lavar a louça ou pendurar em cabides a roupa saída do varal, tudo isso para que vivesse em meio a uma bagunça sincera, como aquela enaltecida por bukowski em seu 'o capitão saiu para o almoço'.
lembrou-se dos comentários da mãe sobre um dos primeiros apartamento em que o pai morou, naquele prédio que viria a conhecer quarenta anos depois, onde ficava o consultório do seu terapeuta, e teve medo de tornar-se igual a ele.
pensou por um momento em presenteá-lo com um livro, mas que livro?, era o seu presente-padrão, denotava mais uma vez a desimportância do gesto. livros, eram eles que tomavam seu tempo e provocavam o acúmulo de pratos sujos e camisas amassadas.
aumentou ainda mais o medo quando lembrou que agora estava só, mas estava bem. como imaginava que estaria o pai, do outro lado da cidade. compartilhavam essa prazerosa solidão, separados por três túneis e um elevado, pelo triste fato de que não sabiam conviver muito bem com ninguém, como não souberam conviver um com o outro.
voltou a pensar no presente-livro, e graças a ele encontrou um ponto de divergência. sua bagunça devia-se ao excesso de leituras, ao passo que seu pai não lia. o brusco fim do alívio: não lia mais. mas fora, também, um leitor ávido durante a maior parte da vida. de modo tal que até mesmo suas peculiaridades, como o costume de ler deitado de bruços no sofá, com o livro aberto no chão, foram imitadas por sua filha. aquela, que vai presenteá-lo com uma camisa polo.
viu-se então numa situação que muitos brindam com a frase 'as coisas não acontecem por acaso', para a qual seu ceticismo ainda não produziu equivalente. repousava sobre a cama 'o filho eterno', e decidiu que, se tiver de dar ao pai um livro, será este.
mas o que ele gostaria mesmo dar a seu pai é este texto.

2 comentários:

KK disse...

(in?)Felizmente há coisas melhores não-ditas...
Mas compreendo a sensação (eu acho, sem querer sem muito pretensioso).

Gostei de ler o texto! Que seja pingado assim, de vez em quando, mas assim, com alguma sensação de urgência. É isso que me traz sempre aqui!...

abraço!

Carol disse...

gostei também.
muito.