quinta-feira, 7 de maio de 2009

baixa gastronomia, alta literatura

hoje um amigo me enviou o link de uma matéria do new york times sobre a relação entre gastronomia e literatura. o título da matéria era algo como "vá em frente. estrague meu apetite.", e tratava da relação positiva entre a baixa qualidade da descrição das refeições e a alta qualidade do texto. o autor defendia que, durante a leitura, normalmente acompanhada apenas por um café, não é agradável ver os personagens tendo prazer com comida. da mesma forma que não é agradável ver os personagens tendo prazer com sexo. (existe um prêmio para as piores descrições de sexo, o bad sex in fiction award. costuma ser arrebatado por grandes nomes, o que talvez reforce a tese defendida no artigo.)
confesso que nunca tinha pensado sobre o assunto. a questão nunca me incomodou. para ser sincero, li poucos textos citados na matéria. um deles, "um artista da fome", do kafka, é muito mais uma metáfora sobre o destino incontornável do qual falei dois posts atrás do que sobre comida, de fato.
minha biblioteca gastronômica compõe-se basicamente de livros de receita, dicionários, biografias de chefs e livros-reportagem. é, ainda, pobre de romances. "o clube dos anjos", do verissimo, fica abaixo das expectativas. e "gula", do anlgo-germânico john lanchester ("the debt to pleasure" no original), começa arrastado, não engrenei.
minhas impressões mais significativas sobre o assunto devem-se à leitura de nietzsche, quando ele faz um paralelo entre a dieta e o humor (em sentido amplo, não apenas cômico) do povo alemão. e, logo a seguir, às descrições da culinária chinesa em "a montanha da alma", de gao xingjian e "a boa terra", de pearl s. buck. ambos os livros renderam o prêmio nobel a seus autores. no primeiro, fica evidente a cultura do não-desperdício num país com uma população na casa do bilhão: uma cabeça de porco tem que ser aproveitada ao máximo, tratada como iguaria. no segundo, a riqueza do personagem principal deve-se unicamente à sua capacidade de tirar o máximo de alimento da terra.
por fim, não esqueço da descrição do cheiro das conservas de pepino em "a morte feliz", do camus. um livro chato, é bom deixar claro, mas com passagens marcantes.
quando falei de estômago, sempre tive em mente as mazelas mais do que os prazeres. acredito que é hora de buscar um equilíbrio.

Um comentário:

KK disse...

hm... tô tentando pensar em outros exemplos, sei que tem, mas não consigo. Melhor quando a alta literatura (o que será isso?) encontra a baixa gastronomia de verdade. Acho que Rubem Fonseca escreveu algo nessa linha (secreções, excreções e desatinos... lá tem comida? não lembro... mas tem algo de digestivo naquilo). E no cinema: todo o cinema marginal comia porcamente nos piores lugares de São Paulo...