sábado, 16 de maio de 2009

minha liberdade e a parábola da pimenta de sichuan

manhã de sábado fria para os padrões cariocas. a temperatura deve estar em torno dos 20ºC, com sensação térmica abaixo disso por conta do vento, mas o suficiente para as pessoas tirarem os casacos dos armários e a cidade mudar de aspecto. além disso, o céu está cinza e fechado, uma constante ameaça de chuva. em suma, uma manhã em que o rio de janeiro parecia bastante com são paulo.
apesar da ausência de informações oficiais para embasar minha teoria, não tenho dúvida de que existe uma colônia oriental na região flamengo-laranjeiras. é composta em sua maioria por chineses e a artéria principal é o eixo rua cosme velho/rua das laranjeiras/rua marquês de abrantes. só de mercearias são três, mais do que consigo contar por todo o resto da cidade. e foi justamente a uma delas que me dirigi.
nos finais de semana, aquele último quarteirão da marquês de abrantes se assemelha bastante ao bairro da liberdade. falta ainda a feira, uma pena, mas o número de olhos puxados que cruzam meu caminho é enorme. é o lugar onde posso comprar uma latinha de chá de abóbora branca para beber enquanto ando pela calçada. onde vejo belos aspargos frescos, presos pela tradicional dupla de elásticos violeta. e um dos poucos lugares onde existem verduras que não consigo identificar. ou coisas que reconheço por analogia, mas que me surpreendem, como uma beringela de casca completamente branca.
saio de mãos vazias. não compro nada além do chá. quero apenas estar ali e aproveitar a minha liberdade.

falar das mercearias orientais me lembrou da minha história com a pimenta de sichuan. há cerca de dois anos ganhei um livro fascinante chamado "the food of china". entre as centenas de receitas, algumas pediam um ingrediente do qual eu nunca tinha ouvido falar: sichuan peppercorns, ou pimenta de sichuan. reproduzi essas receitas usando substitutos, mas permanecia a vontade de conhecer a tal pimenta. foi quando comecei a frequentar as mercearias. passava os olhos por todas as seções esperando encontrá-la. mas não era uma tarefa simples. o rótulo não estaria no mesmo inglês do livro, mas sim num chinês totalmente inacessível. é o momento, então, de fazer a pergunta: mas bruno, você não sabia como era essa pimenta?
- não.
eu tirava das prateleiras todos os vidros e pacotes suspeitos para olhar a descrição nas pequenas etiquetas (coladas sempre no verso) com a tradução em português. pimentas em pó, pimentas secas, tudo. (o termo inglês peppercorn deixava claro que se tratava de uma pimenta em grão, mas só fui considerar isso muito mais tarde.) eu buscava uma coisa sem ter a menor ideia do que era. é óbvio que não conseguia encontrar.
foi quando voltei ao livro. folheá-lo era um prazer, mesmo que não houvesse nenhuma intenção em reproduzir suas receitas. então eu a vi. nas fotos do preparo de uma das receitas que pedia pimenta de sichuan havia pontinhos avermelhados, claramente distintos dos pontos pretos da pimenta do reino. fiz buscas na internet para confirmar minha suposição e, finalmente, eu sabia a cara do que estava procurando.
na primeira visita que fiz à mercearia depois desse dia lá estavam elas, gritando por atenção, pegando minha cabeça para girar meu pescoço e me fazer notá-las. mas eu ainda precisava ser testado. tiro o pacote da prateleira e leio a etiqueta: "semente de coentro". mas eu conheço sementes de coentro muito bem, e não se parecem em nada com aquilo. seguro, falo com o dono da mercearia, que confirma e se desculpa pelo erro. termino minhas compras e volto para casa feliz da vida.
foi a pimenta de sichuan que me ajudou a entender: para encontrar qualquer coisa, você primeiro precisa saber o que está procurando. e quando você sabe como é essa coisa, nem os acidentes do dia a dia podem te desviar dela.

7 comentários:

quase indo disse...

e eu achando que o post era sobre a pimenta.

bobinha, eu.

Sicknsour disse...

parei no chá de abóbora branca. se isso não for um código, é a coisa mais gay que já li. e olha que já li santiago nazarian.

Sicknsour disse...

"aproveitar a minha liberdade". as possibilidades:
1) você acabou de ficar solteiro
2) você acabou de sair da cadeia
3) você fez um trocadilho MUITO INFAME com o fato do Rio não ter um bairro sinonipônico.

Sicknsour disse...

rapaz, o final do seu post foi digno do paulo coelho. aliás, vou repassá-lo com a assinatura do mago.

daqui a um mês te repassam assinado luis fernando veríssimo.

Victor disse...

percebo. você anda fixado no sucesso daquele livro de auto-ajuda da objetiva: "o cérebro desconhecido". eles apostaram em tudo que era porcaria oriental... e se deram bem.

eu li a primeira e a última linha da cada página do maldito, 5 provas até a publicação.

Carol disse...

eu gostei, gente.
quanto preconceito.

Rust disse...

Maneiro o blog!

Estava atrás dessa pimenta, é muito boa mesmo... agora sei onde encontrar aqui no Rio. Tava quase comprando no ebay...

abraço