sábado, 6 de dezembro de 2008

imprecisões

— Calai-vos, malditos! a imortalidade da alma!? pobres doidos! e porque a alma é bela, por que não concebeis que esse ideal possa tornar-se em lodo e podridão, como as faces belas da virgem morta, não podeis crer que ele morra? Doidos! nunca velada levastes porventura uma noite a cabeceira de um cadáver? E então não duvidastes que ele não era morto, que aquele peito e aquela fronte iam palpitar de novo, aquelas pálpebras iam abrir-se, que era apenas o ópio do sono que emudecia aquele homem? Imortalidade da alma! e por que também não sonhar a das flores, a das brisas, a dos perfumes? Oh! não mil vezes! a alma não é como a lua, sempre moça, nua e bela em sua virgindade eterna! a vida não é mais que a reunião ao acaso das moléculas atraídas: o que era um corpo de mulher vai porventura transformar-se num cipreste ou numa nuvem de miasmas; o que era um corpo do verme vai alvejar-se no cálice da flor ou na fronte da criança mais loira e bela. Como Schiller o disse, o átomo da inteligência de Platão foi talvez para o coração de um ser impuro. Por isso eu vo-lo direi: se entendeis a imortalidade pela metempsicose, bem! talvez eu a creia um pouco; pelo platonismo, não!
(Noite na Taverna)

analisados os problemas do conceito de morte e das interferências da palavra na própria observação do fenômeno, é interessante agora rever os conceitos gerais de início e fim (intimamente ligado ao conceito de morte).

estes dois conceitos são claramente observáveis no que diz respeito às formas. podemos ver que um animal nasce, se desenvolve e morre. à morte (interrupção das funções vitais), segue-se a decomposição. esta decomposição não é nada mais que um rearranjo de unidades menores (células, moléculas, átomos, o que seja) que formavam o animal. deste modo, o que se entende por morte não é obrigatoriamente um fim, apenas transição de elementos de uma forma a outra, como sugere o trecho em negrito no texto que abre esta parte.

abandonando as impressões visíveis e atendo-se com maior cuidado à noção de transição, podemos eliminar a angústia da busca por possíveis inícios e prováveis fins, visualizando com precisão a noção de infinito. a melhor representação para este conceito é a reta, que não podemos precisar onde começa nem onde termina. para cada menor unidade há uma reta, e as formas observáveis (animais, plantas, objetos) são meras secções desta reta. terminada uma forma, começa outra, sucessivamente.

contudo, a formulação dos conceitos de início e fim para os seres nos condiciona a pensar todo o restante dos objetos encaixados entre estes dois episódios, inclusive o próprio universo. mas nada impede que o universo sempre tenha existido, não em sua organização observável atual, mas como um conjunto de unidades mínimas infinitas, dispostas de outra forma.

reforça-se assim o caráter equivocado da idéia de continuidade embutida na morte, pois mesmo a interrupção dos sinais vitais num ser não é representação absoluta de fim. o universo é uma estrutura cíclica, formada por séries infinitas de recomeços.

Um comentário:

Sicknsour disse...

ih, ninguém comentou.

resumeaê