sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

persistência de existência

o surgimento da palavra ‘morte’ não pode ser precisado na história, mas é, sem dúvida, fruto da necessidade de conceber um termo para verbalizar a interrupção da vida. as conseqüências desse surgimento podem ser previstas quando levamos em conta a seguinte afirmação de foucault: ‘no que há nome para dizer as coisas mentais elas passam a existir com mais persistência’. (li também em borges: ‘para os gregos, era impossível um nome substantivo sem alguma corporeidade.’) no momento em que a interrupção da vida recebe um nome, morte, sua percepção passa a sofrer influência não só da observação do evento em si, mas também da própria existência da palavra.

acredito, portanto, que derivam desta influência as noções de continuidade post mortem, pois a partir do momento em que existe um signo (morte) para definir o que é simplesmente um evento, esse evoca um significado (interrupção da vida) e um significante, que seria imagem acústica ou gráfica da morte. citando novamente foucault, quando diz que ‘para o que é coisa mental, há grande dependência dos conceitos e, conseqüentemente, da cultura’, atento para o fato de que todas as culturas estão permeadas de símbolos para a morte, como paraíso, inferno, purgatório, fantasmas etc. logo, a idéia de estado se sobrepõe à idéia inicial de evento.

outro problema lingüístico que dificulta a apreensão do conceito como evento é a existência do verbo ‘morrer’ (não cabe aqui discutir se o substantivo originou o verbo ou vice-versa). o ato de morrer, como já foi dito, não existe além de um instante. mas como o verbo permite diversas conjugações, entre elas ‘tal pessoa está morta’, transmite-se a idéia equivocada de permanência, como se houvesse uma extensão da morte. na realidade, o correto seria dizer ‘tal pessoa morreu’, sempre no pretérito perfeito do indicativo, pois não existe nada além deste evento e ele faz parte do passado, somente.

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